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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Resoluções da ANATEL e as decisões Judiciais: insegurança jurídica generalizada

1. Noções preliminares sobre as funções da Anatel

Antes de qualquer notória crítica sobre a incerteza frente aos conflitos de normas no sistema legal brasileiro, especialmente, quanto à matéria dos serviços de telecomunicações, é necessário um breve comentário sobre os atos administrativos e a necessidade de controle pelo Poder Judiciário, principalmente quanto sua legalidade.

É clara a evolução da tecnologia, concomitantemente, a evolução do próprio conceito de eficiência na prestação dos serviços ao longo dos anos, tanto que, o legislador entendeu necessário incluir expressamente o princípio da eficiência no rol de princípios constitucionais administrativos, nos termos do Art. 37 da Carta Magna.

O chamado “novo modelo” (já ultrapassado) da Administração Pública consiste no maior afastamento do controle do Poder Público frente aos serviços públicos não essenciais e a adoção do sistema regulatório, sem subordinação ao poder econômico do capital privado, reduzindo substancialmente os procedimentos burocráticos estatais.

À primeira vista, deveria haver mais vantagens frente à modernidade das agências reguladoras, como a ANATEL, porém, surgem críticas cada vez mais intensas a este tipo de instituição.

Afinal, qual a função das Agências Reguladoras?

Em linhas gerais, os doutrinadores e a própria lei definem como funções primordiais das Agências Reguladoras as seguintes: (i) fiscalizar a atuação das empresas concorrentes, (ii) dirimir as controvérsias e conflitos que surgirem entre as agências, o governo e os usuários, (iii) traçar a política de tarifação, coibindo as práticas prejudiciais à concorrência, concentrando a atuação em três frentes: regulamentadora, fiscalizadora e sancionadora, nos termos do artigo 19 da Lei nº 9.472/97.

Dentre as funções desempenhadas pelas Agências, em específico, a ANATEL, a função regulamentadora é a mais debatida entre os juristas.

Para a grande estudiosa Maria Sylvia Zanella di Pietro, o vocábulo regular significa:

"estabelecer regras, independentemente de quem as dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda que por meio de órgãos da Administração direta ou entidades da Administração indireta. Trata-se de vocábulo de sentido amplo, que abrange, inclusive, a regulamentação, que tem um sentido mais estrito".

"regulamentar significa também ditar regras jurídicas, porém, no direito brasileiro, como competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo (artigo 84, IV), não sendo incluído, o parágrafo único do mesmo dispositivo, entre as competências delegáveis" (134)


Neste aspecto, um dos conflitos mais acirrados é o conflito entre as resoluções da ANATEL definidas por diretrizes políticas, considerando na maioria das vezes apenas aspectos técnicos sem se atentar para a viabilidade econômica e muito menos para os aspectos jurídicos, como: coisa julgada, direito adquirido, segurança jurídica dos contratos, dentre outros.

Assim, o Poder Judiciário é visto como última opção para tentar remediar algumas resoluções esdrúxulas da ANATEL em prol da defesa dos interesses e direitos individuais e coletivos, já que, não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito, conforme expresso no inciso XXXV da CF/88.

Neste aspecto, um dos conflitos mais acirrados é o conflito entre as resoluções da ANATEL definidas por diretrizes políticas, considerando na maioria das vezes apenas aspectos técnicos sem se atentar para a viabilidade econômica e muito menos para os aspectos jurídicos, como: coisa julgada, direito adquirido, segurança jurídica dos contratos, dentre outros.


Ocorre que, embora prevista a autonomia da ANATEL para regular as decisões na sua esfera administrativa, coexiste a previsão legal (necessária) da atuação do Poder Judiciário a fim de limitar o poder das decisões emanadas de órgãos da Administração Pública, inclusive os que têm força jurisdicional. Isso, porque, os atos administrativos discricionários, ou seja, aqueles decididos conforme a "conveniência" e "oportunidade" são passíveis de revogação pelo próprio agente público e não deveriam ser apreciados pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, os atos administrativos dotados de ilegalidade podem e devem ser revistos e anulados pelo Poder Judiciário, uma vez que cabe ao Poder Judiciário preservar o “Estado Democrático de Direito” nos termos da CF/88 a qual centraliza no Judiciário o exame da legalidade dos atos administrativos. Mesmo assim, o controle a ser realizado pelo Poder Judiciário também é limitado pelo próprio princípio da legalidade, já que, alguns atos administrativos são eximidos de ratificação pelo Poder Judiciário.

Diante das noções preliminares apresentadas, analisemos as Resoluções elaboradas e publicadas pela ANATEL.

Vejam que a maioria de suas Resoluções é evidente a falta de coerência e planejamento sistemático da Autarquia, sendo ausente qualquer parâmetro definido pela mesma, já que, em alguns momentos as Resoluções são completamente válidas, e em outros casos a política desejada é claramente alterada.

Isso, sem contar nas muitas ocasiões em que o Poder Judiciário simplesmente desautoriza as determinações de ANATEL, como por exemplo, ocorreu no caso referente à proibição ou permissão das cobranças de pontos adicionais das empresas que prestavam serviços de televisão à cabo.
 
2. Necessidade de Controle do Poder Judiciário

Diante da falta de interpretação sistemática e determinação contraditória contida nas Resoluções da ANATEL, o Poder Judiciário que figurava como mero conferente dos aspectos formais do ato administrativo, hoje em dia, se faz necessário a fim de que se tenha protegida a isonomia das partes, bem como, se promova a paz social e a efetivação das normas e julgados, por ser notório que os Magistrados, Desembargadores e Ministros possuem critérios melhor definidos quanto à razoabilidade, moralidade, eficiência e dignidade da pessoa humana.

Ademais, certo é que as Agências Reguladoras não estão eximidas do controle que o Poder Judiciário exerce, em razão do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, embora com ponderações.

Assim, muito bem esclareceu Ruth Helena de Oliveira: "qualquer ato praticado pela agência pode ser submetido à apreciação do Judiciário, e esse poder poderá examinar os atos da agência sempre sob o aspecto da legalidade e da moralidade e, em tese, jamais poderá invadir os aspectos reservados à apreciação subjetiva (oportunidade e conveniência)". E, ainda completou, "o Poder Judiciário não poderá interferir nos assuntos que digam respeito à atividade técnica da agência, quando estes não ferirem os princípios da Administração Pública".

Apesar das ponderações, é essencial que se entenda: o cidadão ainda deposita muito mais sua confiança no Poder Judiciário do que nos Poderes Legislativo e Executivo. E, no caso de análise referente às Resoluções da ANATEL dotadas de possíveis ilegalidades o controle pelo Poder Judiciário deve ser feito de forma difusa, o que dificulta a eficácia no controle da legalidade destas normas expedidas pelas Agências Reguladoras.

Desta forma, mais vantagem seria um controle concentrado de legalidade pelo Poder Judiciário, em que uma decisão judicial proferida em um dos processos produziria efeito vinculante para todos os demais processos envolvendo o mesmo assunto, em busca de uma coerência nacional, impedindo que hajam decisões totalmente discrepantes no mesmo país! Isso traria vários benefícios não apenas aos consumidores, mas também às Empresas, já que, não haveria tanta vulnerabilidade ou insegurança como ocorre.

Ora, qual a função de afastar a aplicação das normas regulatórias visivelmente ilegais para alguns e mantê-las aplicáveis para outros?

Partindo deste questionamento, o modelo concentrado de controle de legalidade seria a melhor saída para a solução destes casos, tornando eficaz o controle de legalidade e possível a efetivação das decisões.

Ademais, nos casos em apreço, como os da verificação das Resoluções da ANATEL, por serem dotadas de matérias excessivamente técnicas, em geral, alheias ao cotidiano dos Magistrados, devem ser criadas Câmaras Especializadas no assunto, inclusive incentivando os Juízes de Primeira Instância a buscarem cursos sobre o tema, a fim de que o julgamento seja o mais razoável, coerente e justo possível.

3. Da insegurança jurídica aos consumidores e às empresas
Conforme esclarecido acima, a produção quantitativa de Resoluções (normas) da ANATEL tenta sobrepor à produção legislativa, com o fundamento de que tais Conselheiros possuem mais conhecimento da matéria, porém, não basta o conhecimento técnico na área de Telecomunicações, e sim é essencial que haja a interdisciplinariedade das matérias, inclusive mediante a composição de Conselheiros que atuem nas áreas da Economia, do Direito, da Biologia, dentre outras.

Não sendo assim, considerando o controle difuso realizado pelo Poder Judiciário frente às Resoluções apenas poderá ser instaurado um processo judicial para discussão sobre eventual ilegalidade de Resolução se houver lesão, e os obstáculos não param por aqui.

A falta de conhecimento técnico do setor referente às Telecomunicações poderá prorrogar demasiadamente o julgamento do caso, o que gerará demandas acumuladas e sem julgamento célere.

Ademais, normalmente, os Magistrados fazem uma análise meramente pontual e não global da normatização setorial, o que afasta alguns aspectos importantes que poderiam ser analisados como: a ordem econômica, o meio ambiente, a produção de novas tecnologias aliada ao desenvolvimento sustentável, o que torna impossível a moderação nos interesses envolvidos, pois embora a coletividade não possa ser prejudicada por determinações incoerentes, é necessário que não sejam as Empresas sacrificadas pela falta de organização e coerência do Estado como um todo.

Está-se diante de uma perigosa artimanha do Poder Público, que mesmo afastado do controle das Autarquias, ainda continua de forma camuflada no controle de interesses dos grupos que gerenciam tais Instituições.

Vejam ainda que, não há legitimação democrática das Agências, já que os seus cargos superiores são ocupados por membros indicados sempre pelo governo, o que demonstra claro desvio político, e ainda, pode conduzir aos desvios indesejáveis na regulação econômica, moldando suas decisões conforme os interesses dos seus “padrinhos”.

O próprio Celso Antônio de Melo (2001) entendeu que a não eleição dos agentes nas Agências Reguladoras ocasionaria alta delegação sem responsabilização, o que geraria ineficiência dos serviços e insegurança.

Outrossim, a baixa delegação sem responsabilização, também geraria ineficiência e insegurança, uma vez que o controle da atividade de qualquer Agência se destina a conferir legitimidade democrática à atuação de agentes não-eleitos pelo povo.

Em suma, a insegurança é generalizada!

A coletividade está despida de meios eficazes para combater as Resoluções das Agências Reguladoras, em especial, a ANATEL, assim como, as empresas que já não sabem a quem recorrer, pois não sabem se num conflito aparente de normas, ou seja, entre as resoluções da ANATEL e as normas gerais, assim como frente às decisões judiciais já proferidas qual a verdadeira imposição deverá prevalecer.

Por tudo isso, é essencial o estabelecimento de um Estatuto de direitos e deveres na prestação dos serviços de Telecomunicações contendo claramente os deveres e os direitos às Empresas e aos usuários, evitando inúmeras demandas desnecessárias e a insegurança frente às normas mutantes da ANATEL.

Espera-se que tais críticas à ANATEL, não se percam no tempo, mas sim, que sirvam como um olhar atento para que todos da sociedade civil não se deixem levar pelas decisões sem reflesões mais aprofundadas!

É necessário um controle constante da sociedade e empresas, a fim de que os consumidores não acreditem puramente nas intenções do Estado - quando este utiliza o discurso "para o bem da coletividade", e nem as Empresas se submetam às "mudanças de humor" da ANATEL sem que pressionem o governo a tomar uma decisão com prazo mais razoável para execução e sem que prejudique os diversos investimentos já realizados pelas mesmas a fim de tornar mais eficientes seus serviços.

Cabe lembrar que nenhum contrato pode ser alterado unilateralmente, inclusive os assinados entre as Empresas de Telecomunicações e o Estado, a não ser que sejam ressarcidos os eventuais danos. Também, não podem ser criadas normas e, neste caso, Resoluções sem qualquer parâmetro, incoerentes, nem as que estabeleçam sanções excessivas capazes de onerar gravosamente as empresas que tanto investem em nosso país.

Por tudo isso, não devemos depositar a responsabilidade de controle apenas no Poder Judiciário, e sim devemos apresentar sempre outras possibilidade, mediante discussões entre profissionais de várias áreas com o objetivo principal de fazer valer os direitos da coletividade e das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, assim como garantia a segurança jurídica para o sistema que rege os serviços de telecomunicações e demais serviços públicos, ainda que prestados por empresas privadas.


 
4. Conclusão

Tendo em vista a análise apresentada, embora seja a ANATEL a autarquia destinada a regular, fiscalizar, fomentar e zelar pela correta prestação do serviço público, é extremamente necessário a definição mais completa e precisa dos parâmetros a serem utilizados na criação das Resoluções.

Isso, porque, não basta a análise apenas sob o ponto de vista técnico, nem somente sob o ponto de vista jurídico, mas toda e qualquer resolução deveria ser criada mediante análise econômica, social, jurídica, técnica e com perspectiva de efetivação ao longo dos anos.

Se assim não for, qual a verdadeira função da Anatel?

Ser questionada e criticada sempre?

Acredita-se que esta não foi a real intenção de seus criadores!

Natália Batista
(Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia/MG,
Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Unisul/SC e
estudante de Pós-Graduação em Direito Digital
e das Telecomunicações pelo Mackenzie/SP).
Texto elaborado em 16/05/2009.