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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO: qual deverá prevalecer?

Antes de iniciarmos a breve exposição sobre os direitos fundamentais, é importante analisarmos o Direito considerando-o “Ciência Jurídica” que se relaciona com os ramos das “Ciências Humanas e Sociais”, em que o objeto de estudo é, em síntese, a interpretação das normas frente a um caso concreto.
 
Partindo do princípio de que a base de estudo do Direito é a interpretação das normas e considerando também que todo conceito advém de uma prática hermenêutica, encontramos várias situações em que não há apenas uma solução correta para o caso, justamente, porque a interpretação será realizada por alguém que recebeu diversas influências durante a sua existência.

Quantas vezes nos deparamos com o caso em que duas pessoas analisam uma mesma situação, num mesmo momento, chegando à conclusões opostas?
Isso acontece, porque se tratam de duas pessoas diferentes em suas essências, que receberam influências político-culturais de forma desigual, adquiriram experiências individuais e coletivas de formas específicas.

Diante disso, cada entendimento é resultado de uma interpretação individual, então, não possui caráter absoluto, já que, todos nós estamos sujeitos a um leque de situações, como momentos histórico-culturais, políticos, dentre outros, que influenciam de forma relevante cada ponto de vista.
Normalmente, no momento em que há diferentes interpretações para o mesmo caso ocorre a incidência de dois ou mais direitos ou princípios de ordem constitucional (especialmente, os direitos fundamentais), identificados por sua importância e necessidade de efetivação, já que asseguram as condições básicas para a boa convivência entre todos e impedem que o Estado ultrapasse seus limites.

Assim, tendo em vista a relevância dos direitos fundamentais, em caso de colisão entre eles, qual deverá prevalecer? Como decidir?
A prevalência de um direito fundamental em detrimento de outro não é simples de se verificar, pois em se tratando de colisão entre direitos que estão na mesma hierarquia normativa, apenas restaria a utilização de uma ponderação própria do chamado “homem-médio” a fim de tentar a solução mais justa possível.

Vejamos alguns exemplos:
O médico que tem o dever de “salvar vidas” (ou pelo menos tentar) se vê impossibilitado de efetuar a transfusão de sangue em seu paciente (menor absolutamente incapaz) porque os pais deste não autorizam qualquer transfusão de sangue, sob pena de responsabilização cível e criminal contra o profissional.

Qual direito prevaleceria? O direito à liberdade de religião, pensamento, expressão, (previsto no art. 5º, inciso VI da Constituição Federal de 1988), ou o direito à vida (previsto no art. 5ª, caput da C.F/88) ?
Parece claro que a vida deveria prevalecer por ser o maior bem jurídico que existe neste mundo, entretanto, há pessoas tão comprometidas com suas crenças que são capazes até mesmo de abdicar de sua própria vida em prol daquilo que acreditam.

Por outro lado, vejamos que, apesar de sermos livres para seguirmos qualquer religião, cultura e filosofia, nos deparamos com casos em que são criadas religiões (seitas) para fins de enriquecimento ilícito, ou mesmo com objetivos contrários à moral e aos bons costumes, com rituais que agridem a integridade física e moral dos fiéis.
Percebemos, pelos exemplos citados, o conflito entre o direito à liberdade de expressão e de crença religiosa, “de ir e vir”, e de outro lado, princípios como dignidade da pessoa humana e o direito à integridade física e moral.

Apesar de parecerem absurdas tais situações, inúmeros são os casos em que são questionados preceitos morais, religiosos, ideológicos em confronto com as normas impostas sem que haja solução definidas por lei, como é o caso do aborto referente ao feto anencefálico, ou da eutanásia para os pacientes que há anos sobrevivem em hospitais sem qualquer condição de viver dignamente.
De tempos em tempos, surgem discussões sociais, filosóficas, culturais, religiosas sobre os mais diversos assuntos controversos, porém, os intérpretes e aplicadores do Direito devem analisar com cautela a aplicação dos direitos fundamentais, sem anular direitos, mas sim, mitigando-os em certas situações em busca de uma solução mais justa.

Vejamos outro caso: todo jornalista tem o dever de prestar as informações que se tenha notícia, porém, deve ele se atentar para o fato de que há notícias que são juridicamente sigilosas, e outras ainda, que não deveriam ser prestadas, por se tratar de fatos da intimidade de alguém.
Assim, perante esta situação, o que prevaleceria: o direito à informação e o direito do livre exercício de trabalho do jornalista (art. 5ª, inciso XIII da C.F/88), ou deveria prevalecer o direito à privacidade (dever de sigilo) de eventuais investigações referentes aos casos de segredo de justiça?

Para o jornalista, mais importante é exercer sua profissão nos termos do regulamento sob o qual ele é submetido.
Para os cidadãos, o importante é sempre receber as notícias sem qualquer omissão.

Para a pessoa exposta na mídia, o importante é sua privacidade.

E, para o Estado o essencial é garantir todos esses direitos! Assim, como resolver?
Torna-se indispensável avançar nas investigações sobre a estrutura das normas de direitos fundamentais.

No conflito entre esses direitos-princípios, devemos buscar sempre uma conciliação entre eles, ou seja, a aplicação de cada qual conforme a relevância in casu, sem que um dos princípios venha a ser excluído do ordenamento jurídico por irremediável contradição com o outro.
Necessário entender que não há uma resposta absolutamente correta ou incorreta, mas sim, deve ser buscada como a melhor solução aquela embasada no princípio da razoabilidade (proporcionalidade), conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, afinal, nem todas as situações pensáveis, referidas a um direito, estão necessariamente protegidas por lei, e nesses casos, não há como fugir do tão conhecido “bom senso”.

Entre os renomados autores, a idéia exemplar de Canotilho deve ser difundida.
Para o grande escritor, dois fatores podem auxiliar a interpretação mais razoável para o caso: a) a reserva de amizade e, b) a não prejudicialidade.

Tais fatores operariam a partir de uma ponderação de princípios constitucionais, para excluir certas situações do âmbito de proteção da norma constitucional, justificando que o que causar menos prejuízo, ou o que for mais coerente deverá sempre prevalecer.
Assim, concluir por meio de uma só resposta sobre quais os direitos devem sempre prevalecer não é tarefa simples, aliás, considera-se impossível, cabendo à doutrina e à jurisprudência promover cada vez mais discussões neste sentido para que a decisão judicial seja sempre a mais próxima da decisão ideal.

Enquanto não são ampliadas as discussões sobre casos envolvendo conflitos aparente de normas e princípios, o que se espera é, no mínimo uma cautela maior, o bom senso do aplicador do Direito, sendo fiel aos valores predominantes na sociedade em que se está inserido, mediante soluções técnicas, com respaldo social, e acima de tudo, justas.

Natália Batista - Especialista em Direito Constitucional pela Unisul em 2007.