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segunda-feira, 14 de maio de 2012

Impunidade dos crackers no Brasil

Queridos leitores, decidi escrever um artigo sobre a impunidade dos crackers no Brasil depois da última repercussão de invasão de privacidade que envolveu a atriz Carolina Dieckmann.


Para entenderem melhor sobre o caso, leiam algumas notícias veiculadas nas mais diversas mídias:



Embora se possa escrever sobre vários aspectos como: direitos constitucionais, direitos civis, direitos como usuária de internet (consumidora), aqui se pretende trazer à reflexão a seguinte questão: no Brasil, há sanção penal aos crackers? Qual a lei e quais os dispositivos normativos são aplicáveis?
Diante do ponto de vista penal, sem adentrar profundamente aos conceitos de tipicidade, ilicitude, culpabilidade, tem-se que: para que um fato (ato ou omissão) seja configurado como crime ou infração penal é essencial que esteja expresso (descrito) em lei, bem como, se configure um ilícito, algo que a sociedade repudia, o que vai em desconformidade com a lei.

Em suma, toda ação ou omissão do ser humano que esteja legalmente punível e que viole um bem juridicamente protegido pela lei penal deve sofrer sanção penal.

Hoje em dia não existe lei brasileira que tipifique os crimes ocorridos em ambiente virtuais, porém, existem diversos artigos na Código Penal Brasileiro que podem ser facilmente aplicáveis a alguns casos, como o estelionato ou furto mediante fraude. Vejamos o que trazem os artigos:

  • "Estelionato Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:   Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
  • Furto    Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:  Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.   (...)
  • Furto qualificado   § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:   I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;  II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;  (...)§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior."

Verifica-se que um dos crimes tipificados possui pena de até 05 anos e o outro de até 08 anos.
De toda forma, quanto aos elementos penais dos dispositivos legais supracitados, verifica-se que a diferença entre o estelionato e o furto mediante fraude (no âmbito do ambiente virtual) é bastante tênue, tanto que os juízes e desembargadores costumam decidir de forma diferente.

Em 2006, ao examinar Ação com pedido de conflito de competência n. 72.738 do Estado do Rio Grande do Sul (2006/0226850-1), o TJRS entendeu que houve furto qualificado mediante fraude eletrônica (internet) quando analisou o caso de transferência de dinheiro em conta corrente.

No mesmo sentido, em 2007, o STJ decidiu que: “fraude eletrônica na internet com transferência de valores mantidos em conta corrente sob a guarda de instituições bancárias caracteriza furto qualificado”. (CC 86421/PR - DJ 20.08.2007 p. 237).

No entanto, existem casos análogos em que o STJ e Tribunais de diversos Estados decidem como prática de estelionato, como por exemplo:

O Ministro Og Fernandes do Superior Tribunal de Justiça cita decisão anterior para explicar a diferença:  "o furto mediante fraude não pode ser confundido com o estelionato. No furto, a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima, para lhe tirar a atenção. No estelionato, a fraude objetiva obter consentimento da vítima, iludi-la para que entregue voluntariamente o bem" http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=18757&sid=4

Para citar uma importante Ementa jurisprudencial:

TRANSACAO VIA INTERNET. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. ESTELIONATO. CARACTERIZACAO. Crime contra o patrimônio. Estelionato. Artigo 171, "caput", c/c artigos 61, inciso I, e 65, inciso I, do Código Penal. Pena: 2 anos e 6 meses de reclusão, regime fechado, e 90 dias-multa, no valor unitário mínimo legal. Apelo defensivo: a) absolvição, com base no princípio da intervenção mínima do Direito Penal nos crimes contra o patrimônio, e, implicitamente, por tratar-se de "fraude civil"; b) reconhecimento da circunstância prevista no artigo 65, inciso III, letra "d", do Código Penal, com recálculo da pena; c) afastamento da reincidência por não estar comprovada, e, além do mais, foi desrespeitada a Súmula n. 241 do Superior Tribunal de Justiça, pois a agravante foi considerada nas duas primeiras fases da dosimetria da pena; d) fixação do regime aberto, ressaltando que a imposição do fechado não está fundamentada; e) reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do Código Penal); f) concessão da substituição da pena de prisão na forma do artigo 44 do Código Penal. Na fase policial o réu confessou detalhadamente as fraudes que aplicava através de anúncios em sítios da internet de fictícias ofertas de vendas de bens, tendo, ao ser interrogado em juízo, transferido a responsabilidade pela não entrega dos bens, mesmo com o recebimento do preço através de depósitos bancários, para terceira pessoa não identificada. O lesado declarou que, ao reclamar com o réu via telefone a não entrega do notebook "comprado" e pago, foi pelo mesmo ameaçado de morte. Presentes estão todas as elementares do crime de estelionato, não se tratando de mero descumprimento de contrato de compra e venda. Ao retratar a confissão extrajudicial, afastou o réu a possibilidade de beneficiar-se com a respectiva circunstância atenuante. A reincidência não está configurada, pois a condenação indicada na sentença transitou em julgado em data posterior ao cometimento do crime em julgamento. A exasperação da pena-base está corretamente fundamentada, não se podendo o mesmo dizer quanto à imposição do regime mais severo. Impossível o reconhecimento da continuidade delitiva, inclusive porque já transitou em julgado a condenação no outro processo. O acusado não tem mérito para beneficiar-se do artigo 44 do Código Penal. Apelo parcialmente provido para, afastando a circunstância agravante do artigo 61, inciso I, do Código Penal, definir a resposta penal em 1 ano e 6 meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semi-aberto, e 50 dias-multa, ficando mantidas as demais cláusulas da sentença. (TJRJ. AC - 2007.050.05838. JULGADO EM 29/11/2007. OITAVA CAMARA CRIMINAL - Unanime. RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS QUARESMA FERRAZ)

FURTO QUALIFICADO. HACKERS. CONTA CORRENTE BANCARIA. FRAUDE. FRAUDE INTERNET. Apelação. Crime de furto mediante fraude em continuidade delitiva. Art. 155, par. 4., inciso II, na forma do art. 71, ambos do Código Penal. Crime de interceptação das comunicações telemáticas em continuidade delitiva. Art. 10 da Lei n. 9.296/96, n/f do art. 71, do Código Penal. Hacker. Concurso material (art. 69 do Código Penal). Apelo defensivo com preliminares de inépcia da denúncia, cerceamento de defesa, incompetência da Justiça Estadual, nulidade dos "grampos telefônicos" e das provas deles derivadas e nulidade do laudo pericial. Alegações meritórias de insuficiência de prova da autoria e de materialidade para a condenação, de capitulação jurídico-penal equivocada do fato, de ocorrência de crime único, de exacerbação da dosimetria da pena sem fundamentação e de ilegalidade da custódia cautelar. Questões preliminares. Rejeição. Denúncia que descreve satisfatoriamente as condutas do apelante, possibilitando-lhe o exercício do direito de defesa. Competência da Justiça Estadual para julgar o feito em que correntista da Caixa Econômica Federal figura como possível lesado ao lado de dezenas de outros lesados correntistas de outras instituições bancárias. Interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo competente. Licitude da prova. Integridade das provas derivadas. Laudo pericial que, na realidade, foi recepcionado pelo juízo sentenciante como prova documental. Contraditório estabelecido com a formulação de quesitos pela defesa do apelante. Condenação amparada em mais de um elemento de prova do contundente e coeso conjunto probatório. Suficiência e legalidade das provas. Rejeição das preliminares. Furto  x estelionato. Lesados que tiveram valores subtraídos de suas contas. Furto mediante fraude. Hacker. Absorção do crime de interceptação das comunicações telemáticas pelo crime de furto. Se não houve entrega da coisa pelo lesado, mas subtração, a conduta se ajusta ao tipo penal que prevê o crime de furto. Crime de furto mediante fraude e crime de interceptação das comunicações telemáticas. Conduta do agente consistente em criar propaganda falsa em sítio da internet, objetivando atrair usuários para, infectando-se seus computadores com vírus TROJAN (cavalo de tróia), obter os dados bancários e senhas das vítimas, para a consumação da subtração dos valores lá depositados. Se tal conduta, em sua totalidade, consubstancia a fraude que qualifica o furto, não é possível o reconhecimento do crime autônomo do art. 10 da Lei n. 9296/96, o que caracterizaria "bis in idem". Concurso material que resultaria em censura penal desproporcional à gravidade da conduta, de vez que se as subtrações continuadas fossem praticadas mediante o emprego de arma de fogo, conduta mais grave, a pena seria menor que a fixada na sentença. Razoabilidade. Reconhecimento de crime único de furto qualificado pela fraude , em continuidade delitiva. Dosimetria da pena. Pena-base. Circunstâncias judiciais. Fundamentação adequada e suficiente. Princípios da culpabilidade e da individualização da pena. Regime de pena fechado adequado às circunstâncias do caso concreto. Prisão cautelar. Legalidade da custódia cautelar, no curso do processo, reconhecida pela Turma Revisora e pelo E. Superior Tribunal de Justiça. Superveniência de sentença condenatória, inaugurando novo título prisional cautelar. Coerência na manutenção da custódia, agora mais justificada em razão do juízo de certeza exposto na decisão que impôs severa censura penal. Inexistência de fato novo suficiente a afastar o pretérito reconhecimento da presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Necessidade da manutenção da custódia cautelar comprovada. Precedente do E. Superior Tribunal de Justiça (HC 54.544/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a. Turma, j. 12.6.06, DJ 1.8.06, p. 490): "As peculiaridades concretas das práticas supostamente criminosas e o posto do acusado na quadrilha revelam que a sua liberdade poderia ensejar, facilmente, a reiteração da atividade delitiva, indicando a manutenção da custódia cautelar. As eventuais fraudes podem ser perpetradas na privacidade da residência, do escritório ou, sem muita dificuldade, em qualquer lugar em que se possa ter acesso à rede mundial de computadores. A real possibilidade de reiteração criminosa, constatada pelas evidências concretas do caso em tela, é suficiente para fundamentar a segregação do paciente para garantia da ordem pública". Rejeição das preliminares e provimento parcial do recurso defensivo. (TJRJ. AC - 2006.050.03841. JULGADO EM 21/12/2006. TERCEIRA CAMARA CRIMINAL - Unanime. RELATOR: DESEMBARGADOR MARCO AURELIO BELLIZZE)
 
 
Existe um projeto de lei que tramita no Congresso desde 1999 que visa a tipificar 12 ações ocorridas em ambiente virtuais como sendo crimes (vide: http://tecnologia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/07/02/entenda-o-projeto-de-lei-que-estabelece-12-crimes-para-acoes-na-internet.jhtm ), mas ainda não houve aprovação e sanção presidencial.

Fato é que a discussão sobre a tipificação dos crimes realizados em ambiente virtuais tende a ficar mais constante devido ao aumento de utilização da internet por criminosos que preferem se esconder atrás de um computador.

E, que fique claro: existem leis a serem aplicadas sim! Ninguém está livre de responder pelos ilícitos praticados, como alguns pensam, vejam o que ocorreu recentemente com os detentores das fotos da atriz:



Além disso, já se pode dizer que o Brasil tem avançado bastante ao criar secretarias, polícias especializadas em investigações de crimes virtuais e demais assuntos envolvendo a internet.

Diante disso, os crackers que acreditam que nunca serão pegos pela polícia já podem mudar de ideia e deixarem de praticar seus atos ilícitos!

Natália Batista
Advogada Especialista em Direito Digital e Telecom
Uberlândia MG